Luzes! Que se vai fazer teatro! Um pisca-pisca apresenta: Recrónica crónica
É melhor continuar a acreditar que o teatro é para mim: um facto social, pois nele conheci montes de pessoas e pelo menos três amigos e um facto amoroso, pois nele conheci o amor da minha vida.
Não gosto de recomeços, nem de teatro. Recomeçar parece ter demasiado a ver com a teatralidade de “deixa de olhar para trás!” (didascálias: o actor pode deixar de olhar para trás fechando os olhos, virando a cabeça e levantando-a inclinadamente para cima sobre o ombro esquerdo como se olhasse meio para trás; o autor das crónicas pode tentar deixar de olhar para trás escrevendo uma recrónica crónica um bocadinho em acordo, e um bocadinho em desacordo com o novo acordo, mas – tal e qual – vai acabar por não deixar de olhar para trás). Não é simplesmente melhor continuar e ao mesmo tempo não deixar nada nem ninguém para trás?
Mas pronto, calhou-me esta fava de tentar matar dois coelhos de uma cajadada só: voltar a escrever as crónicas para a revista antes sem nome, e hoje a famosa Ponto e Signo, e fazer algo em vez de gravar-me para contribuir na exposição virtual dos Pisca-Pisca. Ou seja, “calhava-me esta fava de…”, se não tivesse vegetalizado a minha linguagem. Fi-lo e agora antes digo: “apanhar duas maçãs de uma vez só”. Acho ter-me tornado vegetariano e convidado o Bekon [em port. bacon] para viver debaixo de um telhado connosco a decisão mais radical dos últimos anos. Mas com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades, e quem se tornar vegetariano tem de falar como um, e ter um cão com um nome um tanto subversivo se comparado com a nova rotina alimentar.
Bem, mas onde é que eu ia…?
Calhou-me esta fava de apanhar duas maçãs de uma vez, porque não consegui realizar alguns desafios adicionais do sotor Velozé… Estou a fazê-los agora para me divertir e distrair, pois posso não gostar de recomeços, nem de teatro, mas gosto de escrever crónicas. O meu grande mestre é Ricardo Araújo Pereira, mais conhecido como RAP. Até gosto de torturar as minhas turmas com as Obras completas dele. Mas vou ainda repensar esta tarefa linguística para eles verdadeiramente quererem lê-las: que tal recorrer a um truque da polícia angolana que o RAP comentou na crónica “Felizmente há Luaty” de 2015? Isto é, proibir os alunos de lerem Obras completas (neste caso do RAP), para suscitar o interesse deles por querer conhecer algo proibido?
Bem, onde é que eu ia… Pois, ia escrever algo em vez de gravar algo para o Instagram dos Pisca-Pisca. Pois, eu realmente não gosto de teatro, mas estive com os Pisca-pisca vários anos. Depois tornei-me professor doutor, depois ainda tradutor e até traduzi um actividário sobre teatro… Tantos papéis vertidos e interpretados, carai! Mas o teatro foi nos tempos do “Antes de começar”, agora correm tempos de antes de recomeçar e tal. Mas é melhor continuar e continuar a acreditar que o teatro é para mim: um facto social, pois nele conheci montes de pessoas e pelo menos três amigos; um facto amoroso, pois nele conheci o amor da minha vida. Sendo esta velha barraca tanto um facto social, como amoroso, acaba por dar uma equação: amizades + amor = teatro[1]. Querem fazer a prova? Acham que estou a armar esta barraca? Bem, para mim este cálculo não podia ter dado mais certo.
Bem, onde é que eu ia… (didascálias: esta crónica devia ser sobre “recomeços”, tá?) Então, era melhor que eu recomeçasse… ou não?
[1] Quando a Mafalda for grande, ela vai ser intérprete da ONU, e vai traduzir de forma a todos estarem de acordo; quando eu for grande, vou passar a acreditar que é antes “amizades x amor = teatro”.
Jakub Jankowski é professor doutor no Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da Universidade de Varsóvia, Polónia (desde 2011). É investigador no âmbito da BD (portuguesa, brasileira, espanhola, anglo-saxónica e polaca), da teoria da tradução, do cinema português e dos assuntos político-sociais dos PALOP. Traduziu vários livros da BD para polaco, livros infanto-juvenis, um romance policial, fragmentos da prosa de, entre outros, Luiz Ruffato e Germano Almeida para números especiais da revista Literatura na Świecie, filmes portugeses, brasileiros e luso-africanos (Cammerimage, Afrykamery, Po Drugiej Stronie Iluzji). Estudou em Portugal com bolsas do Instituto Camões (2003, 2008, 2014).