“Senta aí, Cisso!” ordena um senhor idoso, à mesa de um bar em São Paulo. O jovem garçom, com quem ele está falando, senta-se obedientemente, apesar de suas tarefas urgentes. “Aqui — diz o idoso — aqui mesmo, era uma casa velha…”. Bebendo o copo de uísque, ele começa o seu conto. E assim começa Saudosa Maloca.
Saudosa Maloca é o título do filme mais recente (2023) do diretor brasileiro Pedro Soffer Serrano, que conta uma história inspirada na vida de Adoniran Barbosa (Paulo Miklos), cantor e compositor conhecido como o pai do samba paulistano. Adoniran ganhou notoriedade e reconhecimento nacional nos anos 50 do século passado ao cantar sobre o cotidiano da cidade de São Paulo. O diretor brasileiro decidiu apresentar não só a história de Adoniran, mas também as vidas fictícias dos personagens que ele criou em suas canções, inventando assim um universo sem igual. Serrano nos dá a oportunidade de voltar no tempo para a São Paulo de Barbosa, cujo espírito está tão bem preservado nas suas músicas — São Paulo cheia de transformações. Essas transformações são um dos temas centrais neste filme — todas as cenas giram em torno do bairro que está mudando.
Neste bairro podemos encontrar Mato Grosso (Gero Camilo) e Joca (Gustavo Machado), vagando pela vizinhança, e quando paramos em um bar, provavelmente encontraremos Iracema (Leilah Moreno), trabalhando lá — todas essas personagens são obra de Adoniran Barbosa e aparecem nas suas músicas. O diretor as traz à vida novamente, tentando criar personagens desenvolvidas, com as suas próprias motivações e preocupações, como pode ser visto na história de Adoniran, preocupado com sua maloca, a casa velha onde ele mora, a qual está prestes a ser demolida. Isto é também evidente na história de Iracema, que tenta escapar da sua rotina e realizar seus sonhos — trabalhar como designer de roupas e não atrás do bar.
No entanto, Serrano nem sempre consegue criar personagens multidimensionais — às vezes podemos ter a impressão de que as personagens são pouco profundas ou são apenas caricaturas de si mesmas. Um exemplo disso é Mato Grosso, cuja história é apresentada de forma predominantemente cômica, parecendo limitar-se à sua aversão ao trabalho e à sua paixão por Iracema. Isso pode levar as consequências indesejadas, como a infantilização das histórias e a redução de problemas complexos a simples estereótipos. Ou talvez seja apenas uma dose de humor de que todos nós precisamos?
Pedro Soffer Serrano mistura habilmente duas dimensões — a dimensão da realidade cotidiana com a dimensão artística, criativa. Ele mostra a vida de Adoniran como músico renomado, mas também como cidadão comum que tem problemas comuns, como, por exemplo, a gentrificação, o aumento do custo de vida da sua própria cidade. Por causa disso, as personagens deste filme têm que enfrentar muitas dificuldades: o barulho da reconstrução de partes do bairro, a demolição de alguns prédios, e, finalmente, o desaparecimento de seus lugares favoritos e a perda de sua maloca.
Serrano conseguiu criar uma história atemporal — uma história sobre as mudanças, as preocupações e os problemas, mas também sobre as comunidades e sobre as pessoas que nos acompanham e apoiam nos momentos difíceis. E assim ele prova que o trabalho de Adoniran Barbosa também é atemporal. Ao contrário do que possa parecer, este filme não é apenas uma história sobre o passado, mas sim uma história universal — sobre esperança, amizade e perseverança.
Ficha técnica:
“Saudosa Maloca”, comédia, 108 minutos
Brasil, 2023
Direção: Pedro Soffer Serrano
Roteiro: Rubens Marinelli, Guilherme Quintella, Pedro Soffer Serrano
Filme exibido como parte do Latin Film Fest 2024 em Varsóvia.
Estudante do segundo ano dos Estudos Brasileiros na Universidade de Varsóvia.
