Conversa com Paulina Chiziane

Da esquerda para a direita: Julian Konopelski, Paulina Chiziane, Justyna Żmijewska e Mário Vieira

Hoje acabei de confirmar esta verdade e acima de tudo o afeto, a fraternidade que o povo polaco tem para com os africanos, para comigo e a língua portuguesa que eu falo. […]

Paulina Chiziane

Antes de lerem, pedir-vos-ei desculpas mil pela qualidade de áudio, pelo ruído no fundo e pelos hmms e outras interjeições e outros sinais de continuidade. Caso queira nos fornecer um equipamento profissional de entrevista, por favor, entre em contato. Aceitamos doações, câmeras, microfones e etc. Entretanto, saibam que por trás da gravação um bocado caótica, havia muita energia boa e uma troca genuína de conhecimento. Espero que – além da sabedoria eternizada neste registro – sintam também a magia deste encontro com todo o carinho que Paulina Chiziane teve com nós. Boa audição & leitura!

Conversa com Paulina Chiziane
16 de outubro de 2024, Varsóvia
conversaram: Justyna Żmijewska & Julian Konopelski (Camões Varsóvia)

Julian Konopelski

Muito bem, hoje é dia 16 de outubro, 2024, estamos aqui na presença da nossa maravilhosa convidada, Paulina Chiziane, na Universidade de Varsóvia. Eu sou Julian Konopelski, estou aqui com Justyna Żmijewska, e vamos fazer algumas perguntas depois da incrível palestra. E acho que a primeira pergunta que queríamos fazer é como se sentiu ao saber que na Polónia tem pessoas interessadas em abrir uma cátedra de estudos portugueses com seu nome?

Paulina Chiziane

Fiquei confusa. Eu disse bem, onde é que fica a Polônia? Fui ver no mapa. Sabia que a Polónia existia e sabia que existiam pessoas chamadas polacas, como se diz em português. Mas eu, na Polónia, parecia incrível, parecia mentira. Mas hoje acabei de confirmar esta verdade e acima de tudo o afeto, a fraternidade que o povo polaco tem para com os africanos, para comigo e a língua portuguesa que eu falo. É uma sensação muito boa, uma emoção muito bonita.

JK

Então, como até agora você descreveria sua relação com a Polónia? Uma relação provavelmente mais recente, mais nova, mas para dar nome a essa emoção, esse sentimento.

PC

Eu venho do tempo de Moçambique e Moçambique teve uma relação histórica com a Polónia durante a luta de libertação nacional. Então a Polónia não é um lugar distante. Tanto que depois da independência nós tivemos muitos técnicos da Polónia que vieram ajudar na reconstrução de Moçambique. E conheci algumas pessoas da Polónia, nomeadamente médicos. Iam muitos médicos para lá. Mas depois não aconteceu mais nada. Nunca mais tive contactos com este povo ou com os povos desta região. Porque também nunca pensei que poderia um dia vir à Polónia para vir, conviver, por causa do trabalho que eu faço. Então, é qualquer coisa que eu tenho que agradecer muito a esta universidade. Enfim, é uma emoção mesmo muito grande.

Justyna Żmijewska

Movimenta muito o coração, né? Eu queria perguntar o que significa para si ser a primeira mulher moçambicana a receber o Prémio Camões, um prémio da literatura tão importante.

PC

Significa muita coisa. Significa este reconhecimento. Portanto, houve muitas lutas pela identidade, pelas nossas identidades. E, finalmente, a nossa identidade africana, negra e de mulher é reconhecida. Eu senti este prémio não como o meu prémio, mas o nosso prémio, porque isto foi resultado de lutas de outras pessoas e eu também fiz parte, tive a sorte de ser eu a pessoa reconhecida, mas para mim representa muito muito mais mulheres africanas.

JK

Desde o prêmio, como afetou o prémio a sua trajetória, o seu caminho, o seu papel? Você vê novas possibilidades? Tipo, como de fato realmente afetou o prêmio na sua carreira, porque obviamente você já era uma escritora muito conhecida, consagrada, e o prémio é só mais um prêmio também, mas como ele impactou a sua vida?

PC

É como se todas as portas se abrissem ao mesmo tempo, e fica muito difícil saber por que porta passar. Já tinha portas abertas, já tinha, mas todas se abriram ao mesmo tempo. E isso às vezes é um pouco complicado, porque se vai por aqui e não vai por ali, parece que não está a gostar de outra pessoa, e recebo vários convites, e não é possível estar em todos os lugares. Isso às vezes me dá alguma tristeza, porque gostaria de estar com todos, mas também não é possível. Mas disse que este prêmio parece que foi o mais celebrado de todos os tempos, porque Angola celebrou, Brasil, Cabo Verde, foi uma festa mesmo. Enquanto que, por vezes, outras pessoas recebem o prêmio Camões, as pessoas dizem, ó, foi o fulano que recebeu e acabou. Mas, desta vez, foi mesmo celebrado. As mulheres negras ficaram de pé e disseram, finalmente, também somos reconhecidos. E isso me deixou muito feliz. Mas eu dizia, meu Deus, gostaria de abraçar todo mundo, mas não é possível. Então isso criou em mim alguma tristeza, porque eu não posso… Não é possível estar com toda a gente, mas eu quero estar com toda a gente. Mas foi essa a sensação.

JK

Portanto, é muito especial que você está aqui hoje com a gente. Apreciamos.

Sim, especialmente para nós que aprendemos e que sempre aprendíamos sobre a obra da Paulina Chiziane e podemos finalmente conhecê-la pessoalmente. E quais são os maiores desafios que enfrentou ao longo da sua carreira literária, sendo uma mulher escritora em Moçambique, de Moçambique?

PC

Vários. Primeiro, ser mulher foi o maior problema. Porque diziam o quê? Uma mulher escrevendo romance? Não, não é possível. Ela copiou de um outro autor. Porque mulher nunca pode escrever romance. Foi a primeira coisa. E segundo, uns diziam: os teus livros estão cheios de mitos e mitologias africanas, isso não é bom para uma literatura, porque a Europa não vai perceber. Eu dizia, eu não estou a escrever para os europeus, estou a escrever para mim. Então, deixa-me escrever aquilo que eu quero. E passado algum tempo, começaram a reconhecer que as nossas histórias e nossos mitos é que davam identidade aos meus livros. Depois, comecei a escrever com pessoas que normalmente não sabem escrever. Entrevistei um curandeiro, que é um médico tradicional, publiquei a história dele e a visão do mundo dele. As pessoas ficaram assim, ah, mas isso não é coisa para se escrever, porque isso é superstição. Eu dizia, é superstição, mas faz parte da cultura. Depois escrevi sobre mulheres na prisão, não o que vivem, os crimes que cometeram, mas saber qual é o sentimento de uma mulher que vive na prisão e que deixa filhos fora da prisão. Então, escrevi um outro livro que também as pessoas diziam não, elas cometeram um crime, então não têm direito à palavra, enfim. Foram vários desafios até hoje, mas agora a situação acalmou, o Prémio Camões já veio dizer às pessoas que, afinal, o meu trabalho tem razão de ser, porque falo de mim, mas também falo do mundo, da sociedade e dos problemas que a comunidade tem. Hoje me compreendem melhor.

JK

E se eu posso adicionar uma coisa a isso? Porque o Prémio Camões, que veio agora há pouco, parece que oficialmente validou tudo isso. 

PC

Exatamente. 

JK

Então, o que você diria para pessoas que precisam encontrar essa coragem, não é? Porque a sua trajetória, então, sem contar o Prémio Camões, então foram anos e anos de luta, não é? Porque não é uma literatura fácil, não é uma literatura ah, que “tudo é bonito”, não é? Não é assim. Então, como encontrar coragem enquanto muitas vezes não temos esse respaldo, essa afirmação, esse apoio que o que você tá fazendo é certo.

PC

Primeiro, a pessoa tem que ter convicção, autoconvicção. Tem que ter certeza própria, dizer, hoje não me compreendem, mas amanhã me vão compreender. Hoje não me aceitam, um dia alguém me vai aceitar. Porque o que eu faço, primeiro, gosto de fazer, e segundo, acho que está certo. Se alguém não entende, lamento. Mas é o que eu quero fazer, é o que eu vou fazer. Então, a pessoa tem que ter a certeza. Ela própria. E tem que se autovalidar, não esperar que ser validado por outros, e foi o que me deu força até hoje. No meu país quase ninguém queria saber daquilo que eu fazia, mas o contato com Portugal, com o Brasil, com Angola, e com vários países, agora com a Polónia, é quando as pessoas dizem, afinal, o trabalho dela até tinha valor, nós é que não víamos. Mas a pessoa tem que ser muito forte. Tem que ser.

E pode falar-nos um bocadinho sobre o processo da criação? Como é o seu dia a dia como escritora?

PC

Nos últimos tempos, tenho escrito muito pouco. Tive, assim, algumas questões de saúde e tive que repousar mesmo. Agora, leio mais do que escrevo. E de vez em quando faço, transformo alguns textos escritos em notas musicais, tenho algumas músicas publicadas, que para mim fica mais fácil pegar num texto que já foi feito, transformar em música e cantar com uma ou outra pessoa, mas muita escrita não, tenho estado muitas vezes em pequenos colóquios, em pequenos seminários, com escolas secundárias, com crianças. Onde eu gosto de ficar a contar histórias bonitas como esta. E já tenho escrito muito pouco, mas é por razão de saúde mesmo. Preciso de um tempo para repousar.

JK

E você é uma pessoa que tem suas pequenas rotinas, rituais no seu dia a dia?

PC

A minha rotina é acordar, tomar o café, de vez em quando ir à cozinha, gosto de ir à cozinha… Pois ler. Ultimamente faço coisas muito pequenas. Muito pequenas mesmo. Preciso muito de repousar.

JK

Será que com esse repouso… Mais uma pergunta?

Eu quero mesmo perguntar sobre isso. Se pudesse voltar no tempo e falar com a jovem Paulina Chiziane, dar algum conselho, o que seria, o que diria?

PC

Eu diria assim: segue em frente, vai. Por muito difícil que o caminho seja, vai. Eu diria isso. E foi o que sempre me disse a mim mesma, sempre, e continuo dizendo mesmo agora. Por muito difícil que o caminho seja, é preciso seguir em frente, sempre.

JK

Muito obrigado.

Será que podia ensinar-nos como se diz obrigado na língua bantu?

PC

Na língua do sul de Moçambique, khanimambo. Muito obrigado.

JK&JŻ

Khanimambo… khanimambo.

PC

Esta na hora de irmos, não é?

julian konopelski
Grande Colisor de Ideias at  | Website |  + posts

Doutorando em literatura brasileira na Universidade de Varsóvia, colaborador com o Departamento de Estudos Brasileiros da mesma universidade. Professor de língua portuguesa, Grande Colisor de Ideias e Malabarista das Redes Sociais no Instituto Camões Varsóvia. Ama tocar um samba, ensinar língua portuguesa e traduzir. Fora da área, multiinstrumentalista e artista visual.

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