De uma expedição não realizada a Marte

No Portugal de hoje, os autores com maior impacto são sobretudo os nacionais, ingleses, norte-americanos, russos, franceses, espanhóis e sul-americanos. Em busca de novas influências, decidi aventurar-me em algumas traduções de literatura polaca e aí descobri a bela obra de Szymborska.

Os seguintes versos estabelecem um diálogo com o seu poema «Z nieodbytej wyprawy w Himalaje» (De uma expedição não realizada ao Himalaia).

Enquanto que o relato de Szymborska ao Yeti destaca os aspetos positivos da Humanidade, centrando-se na esperança que permanece no meio das adversidades, para mim faz mais sentido inverter esta linha de pensamento e salientar os negativos: a guerra, a fome, a destruição da natureza, a indiferença e a aniquilação da esperança.

No processo criativo, optei também por substituir o Himalaia por Marte, uma vez que este é um planeta desértico, o que contrasta bastante com a Terra enquanto planeta com vida em abundância. As árvores surgem deste modo enquanto representantes desta vida que está em risco, existindo em Marte na forma de constelações, que, num futuro hipotético, seriam ocultadas pela poluição luminosa e atmosférica.


Ah, então é isto Marte!
Desertos vermelhos
Cobertos por estrelas,
Silêncio e paz perpétuos.
Eram-nos:
Serão corrompidos
Pela nossa ambição.

Marciano, não sei
O que as ondas cósmicas
Te fizeram chegar.
Sim, nós temos Szymborska
E violinos.

Marciano, inspira por agora.
Contempla os teus montes,
As tuas árvores,
Os teus lagos gelados,
Nós estamos em vias
De aniquilar os nossos.

Marciano, fica aqui em cima!
Não venhas ver a guerra,
Não queiras conhecer A fome que dá dores
De estômago.

Marciano, foge,
Foge de mim,
Que eu sou tão má
Quanto eles!
Também eu sou indiferente
Às crianças violadas
Lá longe e aqui.

O oxigénio estava a terminar.
Regressei à nave
E contemplei a esfera escarlate
Cada vez mais diminuta.
Foi lá que deixei
A minha esperança.

maria.borges3@edu.ulisboa.pt | + posts

Maria Borges é uma jovem de 19 anos, natural de Lisboa.
Apesar do seu amor aos livros, à poesia e à palavra, sempre teve como objetivo seguir os seus estudos superiores na área de Biologia.
Mesmo assim continuou a ler e a investir na escrita, até que surgiu a oportunidade de participar na 1ª edição do concurso de escrita e eloquência: "Voz - O Poder da Palavra", organizado pela Câmara Municipal de Oeiras. Com muita felicidade (e alguma surpresa) ganhou o segundo prémio, algo que a fez realizar que os seus versos não eram apenas um mero escape, mas algo apreciado e, assim, uma forma de tocar o outro.
Desta forma, o seu percurso sofreu um desvio, estando agora a frequentar o segundo ano da licenciatura de Línguas, Literaturas e Culturas, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Top